quinta-feira, março 15, 2007

Forasteiro.

Chegaste à minha aldeia fantasiada tal como um forasteiro, mendigo, vagabundo. Trazias apenas a roupa que é teu corpo, branca e desenhada delicadamente.

O teu olhar, vago como o teu percurso, prendeu-me no mais intímo sussurro. O teu andar ligeiro mas pesado - como se tal antagonia fosse fácil de se explicar, avançava por cima das folhas, castanhas e estaladiças, que haviam caído ao longo da estação anterior. Uma estação que - sabias de antemão, fora dolorosa de ultrapassar, espelho de um inverno rigoroso, tempestuoso, ventoso, casas e telhados lançados como bramidos aos céus negros e traiçoeiros. Uma estação que eu sabia - e tu também, havia terminado.

E eu estava à espera da Primavera.

Acampaste no meu pensamento e, aos poucos, foste manipulando todo e qualquer movimento do meu dia-a-dia: fazias com que o pomptuoso sol brilhasse mais, obrigavas a lua preguiçosa a subir ao alto do alto para me iluminar a escrita, pedias à brisa gentil que me rodopiasse a saia de folhos e me fizesse voar. Eu não sabia o porquê do mundo se pintar pelas cores do arco-iris mas sabia, bem no fundo, que os teus pincéis haviam trabalhado no duro para fazer retornar o aroma primaveril à minha aldeia.

E houve um dia em que, sem mais nem menos, uma nuvem negra, carregada, vincada de mágoa e dor, invadiu o meu céu azul; e eu, aí, senti. Senti que ia acabar. O arco-iris que brilhava pós inverno deu lugar a uma chuva intensa, rígida, cruel, que arrastou consigo os momentos imaculados que tinha imaginado viver contigo.

E desde aí a minha aldeia, inundada em água lamacenta, tornou-se mais árida e intransigente . Só que ela sabe, eu também, tu talvez, que outra primavera poderá chegar: basta abrir o coração e deixá-lo derreter por outro forasteiro como tu.