quarta-feira, novembro 23, 2005

Toma, é para ti...

Nos braços carrega um enorme e estrondoso ramo de flores: vinte e cinco rosas vermelhas, embrulhadas em verdura verde-clara e verde-seca, com ramos castanhos e amarelados, tal estapafúrdia combinação de plantas. Estas representam, de certo, vinte e cinco anos que, carinhosamente, ele transporta no colo; uma vida que construímos em conjunto, três filhos e um neto, sabores e dissabores de um casamento já eterno. Corremos o risco de envelhecermos juntos, na mesma casa e na mesma cama, sabendo de cor o cheiro do outro.

Ai, que ele caminha tão lentamente, contando os passos até mim: não quer nem que sejam menos nem que sejam mais que vinte e cinco! Tanto perfeccionismo, tanta minuciosidade...torna-se não só exagerado como também desegradável.

O seu perfume espalha-se pela sala, o mesmo perfume, vinte e cinco anos deste perfume...e não só: do mesmo estilo, do mesmo olhar, do mesmo gesto, do mesmo carinho...vinte e cinco rosas, vinte e cinco passos, vinte e cinco anos! por vezes acredito que este número está enfeitiçado, de alguma forma amaldiçoado! Eu, que tinha um mundo a descobrir; este, que prometia ser meu! E entreguei vinte e cinco anos da minha vida à comodidade e segurança de uma relação sólida!

Rebeldia, onde estiveste no momento de dizer "não"?

Chegou perto de mim, depois de um caminhar vagaroso. Beijou-me levemente os lábios, estendeu os braços e disse, simplesmente: "toma, é para ti...". e deu-me aquele ramo pardo de flores; discretamente, levo a mão à mala, tiro um molho de papéis e, desenhando o fim, retribuo: "toma, é para ti...".

E ele, sem regatear, assina, ao fim de vinte e cinco anos, o papel do divórcio.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Trocas

Senta-se na mesa do canto e observo-a acima do jornal. De saia rodada, pernas esguias e corpo magro, cirandou pelo chão até chegar àquela mesa, redonda, fria e só.

Aconchegando-se na beira da cadeira de metal, cruzando as pernas, arqueando o peito, pede um café em tom fino e coloca os seus óculos de traço elegante. Tira o livro, tira a caneta, tira o bloco de notas e ordena tudo, obsessivamente. Espera o café, aquele café de sabor amargo e queimado mas suficientemente doce para lhe aquecer a alma.

Põe a caneta na boca, olha para a rua, roí as unhas, leva as mãos ao cabelo, penteando-se como dançarina de Valsa e, voltando-se para mim, pela primeira vez, cordialmente, trocamos os olhares. Ela sabe que a descubro entre linhas e escreve sobre isso, já findando o seu café. E eu sei que ela rabisca o quanto adora que eu a espreite, que a vigie tal guarda-nocturno.

Reconheço-a da televisão, a sua voz ao pedir o café não me era estranha, ouvira-a algures nas frequências da rádio. Sei que ela é conhecida e a fama atrai-me E ela sabe que eu sou da plebe, que no anonimato me mantenho, mero desconhecido das revistas e jornais. E isso, sim, isso também a atrai.

Porque ela deseja-me inteiramente e, eu, desejo-a verdadeiramente. Ai, se trocássemos de vidas, aprenderia a cruzar as pernas daquela forma, a pedir o café naquela voz, a roer a caneta sensualmente, perdendo o olhar pela estrada rural e, mais que tudo, aprenderia a escrever sobre alguém que me olha. E ela, revelar-se-ia num cigarro mal aceso e num jornal desportivo, nas calças largas e foleiras, no cabelo grisalho e despenteado de alguém que usa um palavreado inútil e brejeiro. Eu, homem das cavernas e ela mulher de passerelle.

Porque não fomos feitos um para o outro, mas para nos trocarmos um pelo outro.

terça-feira, outubro 11, 2005

Glacial e Serena...

Uma atrás da outra, caindo calmamente no asfalto de poeira, as gotas. A chuva, nublada, traiçoeira, deslizante como mel doce, desfaz-se em pequenos, muito pequenos (mas fortes e arrepiantes) pingos de água que salpicam a minha roupa, ora tais atrevidos.

Já as minhas pernas, soltas, evadem-se de tamanha ousadia: ora, tanto calor, sol e praia, seca e castanhos e laranjas, ora o cinzento, preto, talvez violeta na procura do arco-íris...Que ousadia da chuva reservar algum espaço nas minhas pernas! Então, estas refundem-se, envergonhadas, na saia comprida, rastejante. Todo o meu corpo segue o exemplo, embrulhando-se com os retalhos que existem; apenas a cara se mostra, se insinua...e se deixa molhar.

Como sabe bem esta chuva glacial e serena escorregar, tal conta gotas, pelo meu rosto pálido e gelado. Desmanchando a maquilhagem, a máscara frutífera da hipocrisia, despertando os sentidos, os cinco ou, quiçá, os seis, encharcando a pele ressequida do tempo árido...tanto...tão pouco!

Raios!!! Que saudade tinha eu da chuva…



P.S.: Ao meu querido Hugo, tão fiel e critico leitor...obrigado!

terça-feira, setembro 20, 2005

'Cause When the Sun Goes Down...

Acendo o charuto da felicidade e aprecio o sol a deitar-se sensualmente atrás das montanhas. Ao longe, oiço gargalhadas de alguém tão feliz como eu. Sorrio e sinto que este é dos melhores momentos da minha vida. Porque esqueço a terra e aproximo-me do céu, do paraíso, do infinito. Apenas quando o sol se põe atrás das montanhas me torno outra, me transformo, me mudo. E faço mudar o mundo.

O sol já está para além e o meu bilhete para a viagem imaginária chega ao fim. Apago-o e volto para dentro do mundo, diferente mas sempre a mesma, apenas com mais um pouco de beleza que nem qualquer pessoa tem capacidade de sentir.



Blasted Mechanism - Sun Goes Down....

sábado, agosto 27, 2005

Dissipação...

Volátil todo este romantismo de palavras e sentimentos; por ti até era capaz de morrer, sabes? Deixar de existir para encontrar uma nova forma de te encontrar. Procuro nas cassiopeias do dia a dia uma razão para te esquecer mas apenas empurro uma solução para te amar (para continuar!). Será desprezível todo este sofrimento e toda esta espera? Ou é algo que se destina a ser, sem medida de porção? Numa varinha mágica faço dois terços do que gerámos e satisfaço-me. Não será único?: este momento em que te recordo e o coração aperta, se esmaga com o sabor perfeito aos teus lábios (que percorrem os meus...); mas não será tudo fácil quando se trata de imaginação? A coragem falta quando se relata a realidade e se deixa a fantasia de fora, esquecida. A quimera perder-se-à amanhã quando acordar da inércia, ou ainda hoje quando esta musica [que me faz fechar os olhos!] acabar de passar na telefonia antiga...

Ninguém vê? Me vê? Sou toda amor que cai em desperdício por falta de entrega...

domingo, agosto 21, 2005

Pr'a onde vai você quando a noite cai?...

Imagino-te a caminhar numa rua orlada de eucaliptos e castanheiros, cujas folhas reluzem o seu verde com o bater do Sol magnífico e esplendoroso que sentes na pele...o teu aspecto torna-se sadio e a tua pele cor de pêssego.

Encontras-te com as pessoas que mais amas e que já partiram um dia no comboio para a outra Vida. Sorris e contas como se passou, o que sentiste; tens grande necessidade de partilhar com Eles o que a nós não podes dizer. E dizes que estás bem, feliz, em paz, que o que te preocupa somos nós, a nossa tristeza térrea, de cor de barro, baça como um vidro de um carro em noites friorentas. Preocupa-te o nosso olhar baldio, a nossa cor fuscia, o nosso pensamento perdido. Mas que sabes que, dia menos dia, nós compreenderemos a tua partida e a aceitaremos com calma e serenidade, admitindo, fora de egoísmos, que assim fora melhor.



É assim que te afiguro depois de morta, feliz e sem dor, sem tristeza, desespero, sem suplicar uma última ajuda [como fizeste antes de entrares no elevador...sabias tu bem que seria a tua última tentativa de sobrevivência...].

Deus está contigo e te encaminhará para uma nova missão, minha prima; porque a tua aqui, na Terra, desta vez, foi cumprida: passaste uma mensagem de força, luta, coragem, persistência, bondade e amor! E eu recebi-a com plenitude...eu e tantos outros que te rodearam e que nunca abandonaste. Durante quatro anos tentaste vencer um cancro que te foi matando aos poucos, espalhando-se e alojando-se em quase todos os teus órgãos...este maldito bicho papão pode ter vencido a batalha, minha querida, levando-te para fora deste espaço terreno, mas não venceu a guerra! Quem a venceu foste tu, com as tuas lições e com o que deste a nós que cá ficamos.

Muito obrigado por teres feito parte da minha infância, adolescência e recentemente da minha vida adulta e madura. Obrigado pelos abraços nos aniversários, pelos sorrisos no Natal, pelos ovos da Páscoa, pelos embrulhos recheados de surpresas, pelas gargalhadas e pelos beliscões, pelos desabafos e choros, alegrias e tristezas...obrigado por me teres deixado aprender contigo.

Vive em Paz, agora, que bem mereces, Quina...Um beijo de eterna saudade, de eterno agradecimento, de eterno amor...

Um grande Até Já….

quinta-feira, julho 21, 2005

Ficção!

Preciso de um homem, admito.

Nem é necessário ser bonito e elegante, extrovertido e inteligente. Nem sequer preciso de me apaixonar por ele, amá-lo loucamente, casar e ter filhos.

Só preciso dele, como homem.

Preciso que me dê atenção, me massage as pernas cansadas e me faça "cafunhé" na cabeça até adormecer. E depois, quando acordar, que me beije e me traga um pequeno-almoço reforçado, que me prepapare a banheira para trinta minutos de esquecimento e que me ofereça uma peça de roupa nova.
Não quero que me oiça atentamente, que me compreenda, me aconselhe.

Preciso que seja como um saco de boxe, para poder descarregar nele, sem remorsos, toda a raiva energizante.

E não me acusem de violência doméstica e, já agora, quem o fizer, que atire a primeira pedra como nunca teve vontade de aliviar a pressão. [pois, bem me pareceu...]

Ele não tem de ser doutorado, não precisa sequer de saber ler ou escrever; basta dar-me o seu instinto animal e fico feliz...

Mas a quem tento eu enganar?
Eu preciso é de uma Mulher!

segunda-feira, julho 11, 2005

Beijos

Uma harpa crua isola o som arrepiante do Amor; não de um Amor Eterno (porque este acaba sempre por cair na malha do esquecimento...) mas sim de um Amor ingénuo e infantil que adultera o meu corpo selvagem.

Suspiro para evitar a solidão e oiço os teus passos remotos, passando pela sala desguarnecida. O tiquetaque do teu andar ecoa nas paredes nuas e obriga-me a mendigar um beijo teu que me faça esquecer todos os outros que já dei...

Neste cenário de perigo, o espelho é apenas a única barreira entre a minha boca e os teus lábios. Escondemo-nos entre as paredes, criando o suspense do primeiro passo. Eu ou tu. E avançamos juntos, caindo sobre ambos os braços num beijo desequilibrado mas familiar. Não era a primeira vez que te beijava ou que me davam um beijo destes.




E nesse momento apercebi-me que és sempre tu que conquistas a minha fantasia e constróis o meu idílio. Todos os beijos que me dás anulam os anteriores, mas lembram-me que são todos idênticos. Porque, mesmo que o amor eterno se esqueça, permanecerão os beijos que me dás nos meus sonhos.

sábado, junho 25, 2005

Cinco Minutos - Tempo de um Cigarro

Só eu e o batuque dos ponteiros do relógio. As horas passam, vou absorvendo as teorias banais envolvidas em mil e um pensamentos divergentes.

Espero para ver a Lua e, fumando um cigarro, adormecer a pensar em ti. Antes, sorvo um pouco de café e divago. Sobre o que eu era e o que sou, analiso as diferenças, encontro as semelhanças.

Tenho o tempo de um cigarro para dizer que ainda te amo; eternos cinco minutos; e espero até que a última cinza se perca no ar para suspirar e prender dentro de mim o grito que sinto por ti.

Reprimir será a melhor forma de avançar. Mais tarde, talvez, sinta os efeitos. Mas até lá, esqueço que existimos.

quinta-feira, junho 16, 2005

Exposta!

Os olhares pressionam-me: na primeira fila do auditório, rodopio a minha visão na busca de alguma calma; mas sinto a responsabilidade de falhar sussurrar-me ao ouvido, arrepiando-me, aumentando o meu batimento cardíaco. Procuro alguém tão perdido quanto eu e neste encontro só contacto com segurança nas letras que outros escrevem [as minhas não saiem da tinta da caneta].

Entrego. Não entrego. Só estou eu e a minha sombra inibida neste côagulo de transparência. Tremo e suo. Entrego ou não entrego. Opto por mais uns segundos presa na prova e esperando alguma luz que brilhe no meu cérebro.

Tacteio a mesa, divirto-me com a ponta afinada da esferográfica, e observo a folha branca como a minha mente: bloqueada. Perco-me no sempre da desconcentração.
E quando dou por mim... um, dois e três levantam-se sorridentes para entregar a prova. Agarro na minha, ergo-me também, sem alguma espressão no rosto. Não mostro emoção. Apetece-me gritar mais alto que nunca mas prendo o grito num nó apertado, contenho a bomba que sou eu, prestes a atingir explosão.

Assino a folha de presença e pego nas minhas coisas. Os pés carregados embalam-me para o lado de lá desta fantasia. Pela terceira vez, falho. Não tem valor o meu empenho. Desiludo-me e desiludo os outros. Cravo em mim, a ferro e fogo, o pensamento que não sou capaz. Não o sou...mesmo...

E assim me sinto exposta, a todo e qualquer estímulo. Como se me arrancassem a roupa...e ficasse desarmada.

segunda-feira, maio 16, 2005

Gravidez



Volta e meia, imagino-me. Nua, deitada no escuro. Deleitando-me com o prazer de senti-lo dentro de mim, rebolando lentamente, socorrendo-se das migalhas minhas que desprezo. Imagino-me sonhando com o dia de renascer, com a beleza de lhe tocar, de o abraçar. De saber que veio de mim, meu semelhante e minha criação [e tua]. Numa noite em que os lençois não abarcaram o calor dos nossos corpos e, fundidos um no outro, aquecemos a terra com mais uma alma especial.

Hoje, pensei nisto. Acordei com a sensação de estar grávida. Pronta a dar à Luz. Andei o dia inteiro a pensar na sensação, revivendo os momentos de sentir a barriga a crescer. Várias vezes levei a mão ao toque sensível e as lágrimas surgiram no próprio instante.

"Há espera de sentir o mar..."

quarta-feira, maio 11, 2005

Na morte...



É um canto. Um rectângulo. Melhor, um espaço minúsculo, tão minúsculo que estou dobrada sobre mim própria. E sim, é um canto ou um rectângulo onde, por dentro do som daquela flauta transversal que toca na rádio, eu abafo as minhas lágrimas. Ou lâminas. Tanto faz. Ambas cortam. Corto-me. O sangue jorra como fonte de borboletas livres. E sou feliz. Sem ti. Não vês? Eu, no canto, a ser feliz.

E entras no jogo maquiavélico que belzebu preparou para nós na ceia do amor. Não entres...eu não saio daqui.

A tua fotografia espera-me todos os dias, deitada ao lado da minha almofada. Está dobrada., malfadada de tanta promessa que deflagrou sobre ela. Tanto choro e dor. Tanto desespero.
Quantas vezes, meu amor, quantas vezes eu me encostei nela e senti o teu cheiro, beijei a tua boca, arrepiei-me com as tuas mãos…quantas vezes...

E agora, estou aqui. À beira da morte. A escrever para ti o que nunca te disse. Que fui feliz. Que sou feliz. Mesmo que não estejas comigo, ver-te feliz sempre mo fez também.

Um último suspiro. De saudade, de tristeza, de recordação pelo que fomos e pelo que fui. Um último sorriso. De agradecimento, de paixão, de loucura. Um último...naufrágio em ti.

sexta-feira, maio 06, 2005

Caminho

Começa a escurecer... preparo a roupa, a mala, os sapatos e a boa vontade. Saio à rua. pelos caminhos que me levam ao café, observo as pessoas, as plantas, os animais, as pedras. Nada muda: tudo é similar, dia após dia.
Enquanto vou, desejo que numa noite destas, enquanto escurece, algo de diferente ocorra enquanto percorro este trapézio vertiginoso. Algo irreverente.

Não procuro, mas quero.

Talvez seja altura de obrigar as oportunidades, arrancar esta mordaça que me cala, que me transforma em cinza. Pedir para o longe chegar hoje, dentro de mim. Abrir janelas de um palácio à muito adormecido e perseguir o fundo, naufragar no eterno.

No eterno dilema da diferença....do caminho...

quinta-feira, abril 28, 2005



Sufoco. A cada palavra tua não dita. A cada sorriso teu afastado. A cada gesto teu escondido.

Morro. Matas-me ou Mato-me. Talvez te Mate, pior ainda, talvez nos Mate.

Sufoco, na verdade, perco o ar. A cada memória extraviada no tempo. A cada música que recordo. A cada texto composto pelas estrelas.

Sinto-me mais que amarrada, numa teia de aranha que me prende as pernas e os braços e não me deixa naufragar no dia, na noite, nas horas...em mim!

E espero, já sem fôlego, que venha a Luz e que ela, eroticamente, me desenlace destas cordas de fumo e me deixe sentir como é ser Livre...

terça-feira, abril 19, 2005

Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si...

Cantamos na mudez dos gemidos a partitura que Deus escreveu especialmente para nós. No escuro do quarto, procuro a tua boca, o teu nariz, o teu ombro e o teu joelho. Não encontro definição nem conceito. Apenas um amontoado abstracto de peças soltas e disformes do teu corpo suado. Continuamos a gritar o e o da nossa paixão e nem que as estrelas desapareçam do céu e aterrem todas na terra, ateando um fogo universal, nós deixaremos de cantar este Mi e este que nos embala...porque pertencemos um ao outro como um filho a uma mãe, como um Sol e um a uma guitarra...
Adormece...junto ao meu ventre...adormece...
Si...

quinta-feira, abril 14, 2005

Dar-te-ei!

Procuras-me, hoje, selvagem e apaixonado. Entrego-te o meu corpo, sem limites. Faz-me sentir viva. Fazer-te-ei planar no céu estrelado, tocar no Sol e beijar a Lua. Apenas se me fizeres sentir viva. Dar-te-ei as montanhas e as praias, a chuva, a neve, o calor e o orvalho. Se me fizeres sentir viva. Se me trouxeres de novo para a euforia do dia a dia. Basta-me isso e dar-te-ei Deus.

quinta-feira, abril 07, 2005

Palavras no Bosque

Abro os olhos o máximo que consigo e fixo o olhar neste bosque onde o verde se mistura com o castanho e as árvores são pequenos gigantes das grandes cavernas do Norte...fecho-os ainda com mais força para gravar na minha memória o som das águas dos riachos que acompanham o caminho e a melodia cantada em cânone pelos diversos pássaros deitados sobre as ramadas das árvores.

A chuva que cai torna a terra mais viva, metamorfoseando-a em lama...quente e abstracta...os meus pés são de barro, moldam-se com o andar constante pelos trilhos que me levam a Compostela...

As mãos de plasticina agarram com firmeza o cajado que marca o ritmo que faço com o andar, e todo o meu corpo náufraga nesta beleza que não se explica em palavras.
Milhares de outros peregrinos já passaram por cima destas folhas secas que estalam ruidosamente: ainda oiço as suas preces e orações e os seus pensamentos folhados de força e coragem. Milhares de outras pessoas seguiram as setas e as vieiras para chegar à imponente cidade de Santiago, como eu agora sigo atentamente. Elas (as vieiras) desenham o norte, o trilho que leva ao sonho e à utopia.

A minha alma entrega-se a este diário de bordo que lança palavras ao bosque e procura o ânimo na vegetação e paisagem inesquecíveis.

Aconselho esta viagem a todos que queiram conhecer-se a si mesmo, como o Papa João Paulo II fez em 1982 durante os Caminhos e como eu fiz agora em 2005 e como tantos outros já fizeram em séculos passados.

Esta foi a minha oportunidade. Não percam a vossa…

domingo, março 27, 2005

Caminhar

De Segunda, dia 28 de Março....à outra Segunda, dia 4 de Abril:
A percorrer [a pé!] o caminho português até Santiago de Compostela, 120 km de coragem, fé, vontade e aventura!...com trovoada e chuva torrencial, no meio do mato, enterrando-me na lama...mas tenho a certeza de que valerá a pena!

Até à vista...



P.S Parabéns César! (dia 28 de Março...)

domingo, março 20, 2005

Bolas de Sabão

Uma criança senta-se no chão [despreocupada...]. A calçada silenciada escuta com atenção o que a inocente criança canta com os acordes da Alma.

A única brincadeira que ela conhece é aquela que lhe traz o Sonho e a Utopia que ainda não sabe verbalizar.

Então, lança a primeira, compõe a segunda e aguarda pela terceira...[as suas bolinhas de sabão!]. Observa-as, anestesiada, voando pelo céu infinito; não as guarda nem as reprime: solta-as alegremente.

As suas bolinhas de sabão: os seus sonhos e a sua fé, os seus objectivos e a sua vontade, os seus desejos e a sua luta...deixa que elas naufraguem no céu azul porque a sua inocência lhe sussura que só assim elas se realizarão...

[escrito para a Joana,a propósito dos seus anos]



Lança as tuas bolinhas de sabão como esta criança e faz do Céu azul o teu único limite.

ÉS LIVRE!

quarta-feira, março 09, 2005

Até as Putas são tristes...

Os sapatos ecoam no silêncio ensurdecedor da noite escura, como badalos de sinos das Igrejas antigas situadas numa Aldeia esquecida, toc toc, vão compondo uma ode esplêndida, floreada de passos elegantes e delgados. Espadaudos, até.

Toc toc. As saias curtas e os corpos disformes disfarçam-se com as aparências das sombras, ninguém vê nem ninguém repara, à noite tudo é semelhante.

Estas que caminham pela passerelle da cidade são pagas. Recebem para entregarem ao outro o seu corpo e. tantas vezes. a sua alma (o tesouro mais escondido...). São remuneradas ilegalmente e o único trabalho que conhecem tão bem é o de serem escravizadas sexualmente. Mas gostam (ou não têm alternativa?).

Os sapatos pesam, cansam, são reflexo de uma noite estafada, produtiva. Caminham para casa agora, toc toc, qual casa, qual vida esta?, foram estes sapatos que mil vezes elas se esqueceram de tirar tal era a pressa do patrão para pagar ao corpo que se esperneava defronte dele.

Uns procuram desesperadamente a satisfação do desejo...outros, recusam sequer pensar que satisfazem o desejo. Impressionante. Até as putas são tristes!...

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Balão

O céu é tão grande e eu tenho medo de lançar o meu balão. Ele é "pequeno" demais, frágil e meio perdido, sei que rebentava mal o largasse. Por isso, preservo-o. Privo-o da liberdade que ele e eu merecemos. Sou egoísta, talvez.
Mas não o somos todos?

O céu é uma tão grande miscelânea de cores que o meu balão se espantaria com o principal holofote que ofusca, esse, o sol, que expande o calor que sufoca, a luz que cega. O balão tem temor de voar, a borboleta também. Temos de perder o receio, lançando-nos à descoberta e à evolução.
Simplesmente voar.

O meu balão é o meu desejo de ser eu própria.
E sim, eu tenho medo de ser eu...

sábado, fevereiro 12, 2005

Um tiro no escuro....

Ele vagueia. O espírito pobre, remendado de pedaços de uma vida almadiçoada. Vagueia. O espírito...Pelas ruas de Lisboa contrasta com os livres felizes, que partem à descoberta da selva, selando compromissos suicidas com a vida. Ele contrasta. Ele vagueia. O espírito...Apanha pequenas beatas do chão, crava lume ao desconhecido que nem olha para ele, porque receia ser preso pela ingratidão. Prossegue. E o espírito fuma mais cinco minutos da sua vida. Contrasta e vagueia. O espírito...ronda a esquina na qual monta o seu leito, reza ao Pai que não o castiga mas o perdoa; porque ele escolheu este leito. porque optou por onde se deitar. E na escura esquina da morte, no fundo do beco da vida, um tiro no escuro (perdido no ar...) embate no coração fraco do espírito.
E morre. Mas continua a prosseguir, a contrastar e a vaguear. Porque é espírito...[e está sempre ao nosso lado!]

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Afectamo-nos...

Espero-te. Hoje, e amanhã, tal e qual te esperei ontem. Mas não sei o que espero.
Não sei o que te responder. Sinto-me nas grades da ignorância. Esses olhares, que dizes serem a resposta, caçam-me preventivamente, sem aviso, alerta, sem sequer me domarem. E os meus? Como são?

Espero-te. Mais esta noite. E se apareceres, eu afecto-me. Se não apareceres, afecto-me também. Mas sei que te afecto, indiscriminadamente.

Logo, afectamo-nos...


segunda-feira, janeiro 31, 2005

Consome-me...



Consome-me... Possui-me quando eu menos esperar, para a surpresa se gravar nas linhas da minha mão. E faz-me rodopiar nos meus sentidos enquanto te saboreio pedaço a pedaço.

Consome-me!!! Como se fosses água e eu fogo, apaga em mim o desejo do juízo final, do pecado e do proibido. Telepaticamente, envia-me para o Jardim do Éden, onde pecaram os mais puros. Porque sou pura e tu também o és. Puros de desejo.

Consome-me. Para eu deixar cair o pano que ainda tapa o meu ser e voltar a sentir a alegria de ser desejada. Para amanhã não me lembrar e hoje não pensar. Para libertar as minhas pulsões enquanto te vejo libertares as perversões.

Consome-me enquanto somos carnais.

domingo, janeiro 23, 2005

Embriaguês

Caminho embriagada pela areia escura do Vazio...não vejo, não oiço, não toco...a gravidade do oco não me deixa sequer mexer; mas caminho. Sempre em direcção ao Nada...porque o Não satisfaz mais que o Sim. Porque não estou nem sequer Sou.
E continuo a caminhar, bêbada!, pela areia escura do Vazio...



P.S. Só porque este sítio faz Um Ano e eu queria agradecer a presença de todos aqueles que ainda me conseguem ler!...
Parabéns!

terça-feira, janeiro 11, 2005

Robot

O firmamento. Os meus olhos fixos nele não me deixam olhar para nada mais. As pessoas cruzam-se comigo pelos corredores das ruas, embatem-se, lutam entre si. Entre elas e eu existe apenas um pequeno espaço de ficção. A mera ilusão das vidas.
Deixo o céu e miro os olhares cruzados. Tento imaginar-me naquela pele, naquele corpo magro ou gordo, a ter aqueles pensamentos inoportunos e sexuais...deixo-me levar pela fantasia e embarco com o vento nas muralhas do olhar.

Viver uma vida de outro alguém. Não é isso que tentamos fazer constantemente? Viver o que não somos, o que não fizemos, o que não temos. Viver segundo o que os outros pretendem que sejamos. Viver perante o que a Sociedade espera de nós. Viver hipocritamente. Não é viver, é sobreviver.

Opto por continuar a olhar para o Paraíso. Sorrindo. Escuto uma melodia qualquer que me faz perder na imaginação outra vez. E sonho com a pureza e honestidade de olhares. Apago da memória o cinismo do dia a dia. Primo o botão delete e esqueço que aqueles olhares inexpressivos são apenas o espelho das máquinas em que nos tornamos.

Sentir...não é permitido ao Robot sentir.

terça-feira, janeiro 04, 2005

“It seems like you give me the thing I was missing in my life...”

Ficou presa ao último instante em que se olharam...do qual esperou mais que um sorriso dele, do qual esperou pela coragem que ela não teve em nenhum outro dia, do qual esperou mais que uma conversa, uma gargalhada, um toque na pele ou um piscar de olho...do qual esperou que ele se prendesse, também, nela...

Uma oportunidade, para sempre, perdida...

“You fil me up with joy, every moment’s a surprise...
You set me free from Babylon, we make me leave this place for miles...
You’re not a ilusion...”