Todos os dias, quando acorda, abre a persiana numa ânsia de morte para ver o sol. Para, no fundo, em segredo, saber que ainda vive.
Todos os dias, depois de abrir a persiana e espreitar o dia, ela avança em direcção à cama. E deita-se. Deixa o corpo respirar as últimas gotas de descanso. Ela sabe que ele ainda permanece ali, naquela cama. Onde tantas e tão poucas vezes uniram almas. Onde ela perdeu a dela nele.
Todos os dias, depois de respirar o sol e a cama, foge para a sala e prepara um pequeno-almoço demorado para ningúem; depois, deixa esse manjar ficar exposto o resto do dia, talvez na esperança que ele apareça e tenha fome de nada.
Todos os dias, depois de receber o sol na pele, de absorver os lençóis húmidos da noite, de encomendar um manjar matinal, ela veste-se. E veste-se de negro; a última cor que ele lhe viu. A cor da morte. Porque no dia em que ele partiu sem deixar rasto, ela morreu.
Agora ela entende. Não foi ele que a deixou, foi ela que partiu. E quando foca o olhar, ele está sentado na mesa, a ler o jornal, com um ar envelhecido, comendo uma torrada. O seu pequeno almoço não existe, as persianas estão para baixo, a cama já nem sequer tem lençóis.
Afinal, foi ela que desistiu; e, assim, ele deixou de existir.
sábado, maio 19, 2007
sexta-feira, maio 04, 2007
Carta
Sabes,
andei triste.
Cada vez que pensava em ti e em nós, ficava triste. Não aquela tristeza moribunda que vagueia pelos cantos da cidade, lamentando-se e pedindo esmola; mas sim aquela tristeza que aperta o coração e nos deixa praticamente sem forças para erguer o corpo...que nos assusta, que nos coloca entre a espada e a parede a todo o segundo...aquela tristeza que me [nos] corta a respiração!
Achei que nos teríamos perdido nas malhas do tempo e de todos os dramas da nossa novela diária. Achei mesmo que jamais viria o sol brilhar nos teus olhos, reflectindo afecto, carinho e dedicação; que jamais acarinharia o teu sorriso, abraçaria o teu modo de ser e de estar, viveria as tuas fantasias e desilusões. Porque achei que me teria perdido entre tudo e todos e que tu também não estarias a ir ao encontro da harmonia.
Mas, depois, a tua simplicidade resgatou-me. E espero que toda esta tristeza fuja para bem longe, para um lugar onde não haja nem água para a fazer crescer, nem terra para a fazer renascer, nem sol para a alimentar. Que fuja para o sítio de onde nunca deveria ter saído, pelo menos, nunca entre nós...
Eis a carta que gostaria de te ter lido. Que, aliás, gostaria de ter escrito...
andei triste.
Cada vez que pensava em ti e em nós, ficava triste. Não aquela tristeza moribunda que vagueia pelos cantos da cidade, lamentando-se e pedindo esmola; mas sim aquela tristeza que aperta o coração e nos deixa praticamente sem forças para erguer o corpo...que nos assusta, que nos coloca entre a espada e a parede a todo o segundo...aquela tristeza que me [nos] corta a respiração!
Achei que nos teríamos perdido nas malhas do tempo e de todos os dramas da nossa novela diária. Achei mesmo que jamais viria o sol brilhar nos teus olhos, reflectindo afecto, carinho e dedicação; que jamais acarinharia o teu sorriso, abraçaria o teu modo de ser e de estar, viveria as tuas fantasias e desilusões. Porque achei que me teria perdido entre tudo e todos e que tu também não estarias a ir ao encontro da harmonia.
Mas, depois, a tua simplicidade resgatou-me. E espero que toda esta tristeza fuja para bem longe, para um lugar onde não haja nem água para a fazer crescer, nem terra para a fazer renascer, nem sol para a alimentar. Que fuja para o sítio de onde nunca deveria ter saído, pelo menos, nunca entre nós...
Eis a carta que gostaria de te ter lido. Que, aliás, gostaria de ter escrito...