quarta-feira, dezembro 15, 2004

Viagem

Estava sentada naquela árvore que era tão especial para ele. Esperava-o com serenidade, sem pressas, sem querer avançar as páginas da história [como tantas vezes já quisera fazer...]

O Sol deitava-se sobre o firmamento, as cores alaranjadas e violetas preenchiam o céu e misturavam-se eroticamente com as nuvens, desenhando acordes estranhos de uma marcha fúnebre que se esperava...

- Que fazes aqui? - acordou-lhe a voz sempre suave dele.
- Espero-te.
- Esperas-me para quê? Porquê?
- Para me despedir de ti... - respondeu-lhe.
- Vais viajar?
- Vou. - disse-lhe, secamente.
- Mas voltas? Em breve?
- Não sei. Se a profecia se cumprir, volto renovada. - murmurou entre dentes.
- Então, um grande Até Já e tem um boa viajem...aproveita-a!
- Hei-de o fazer...- estas seriam as suas palavras terminais.

Avançou pelas escadas daquele pequeno jardim improvisado. Deixou-lhe para trás, perdida aos pés dele, uma carta explícita do que seria a sua viagem. Sabia que ele voltaria, a correr, para ela. Mas, de qualquer das formas, isso já não lhe interessava. Nada importava. Iria partir para o vazio e nem ele tinha o poder de remover essa vontade estrondosa. Por isso, não corria. Não apressava os minutos. Permanecia serena, apreciando todas as grandes coisas, as simples coisas, as pequenas dádivas que Deus entrega a cada um, diariamente.

Chegou à estação de comboios. Faltavam vinte segundos para as carruagens se aproximarem...chiavam os carris, levantava-se a poeira das obras, o vento remexia... tudo se tornava movimento.

Ouviu chamar pelo seu nome. Era ele que, a chorar, corria pela plataforma, de certo com o incentivo de a abraçar, de a impedir de viajar.

Cinco...quatro...três...dois segundos para embarcar. Olhou para trás, pela última vez. Aquele segundo, aquele finito segundo, tornou-se no momento em que ambos voltaram a ser felizes, como haviam sido no passado.



E suicidou-se...

Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada.
(Fernando Pessoa)

Sem comentários: